Por: Nelly Pereira Lima

Livro de pequenas histórias às quais não falta senso de humor nem capacidade de envolver o leitor, não só com a trama, mas com as peculiaridades de seus personagens, comuns e extraordinários ao mesmo tempo. Autora espontânea, prazerosa. À pergunta do título, respondo: à chacun sa madeleine! Mergulho-a no chá, saboreio-a para reviver aromas, sensações, sabores embebidos em literatura numa espécie de Conversation piece, de tertúlia informal. Conversa íntima, em aconchegante e atemporal ambiência. Breves fabulações, ou demi-réveils proustiens, não de um tempo ¨proustpostamente pedido¨, mas mini-madalenas imemoriais em contemporânea busca de vivência, conhecimento e reflexão. Esboços manuscritos da Recherche mostram que o bolo original não teria passado de uma simples fatia de pão na grelha: mas Proust percebeu que a catarse não nasce do prosaico; que o universo ficcional nasce de suaves lembranças recônditas; que a recorrência do passado e o fluir do ciclo vital presentificam narrativas não lineares, pois sempre emerge, no conteúdo de nosso pensamento, uma digressão formal.

Proust é tudo como filosófico, complicado, pesado. Nelly Lima, ao contrário, é leve, simples. Suas crônicas, acessíveis. Dois autores díspares se interligam sem influência direta, via recorrência de temas atemporais. O narrador da Recherche descreve o estranho efeito produzido pelo sabor de um bolo mergulhdo em chá: ¨Um delicioso prazer me invade os sentidos... numa só vez, as vicissitudes da vida se me tornam indiferentes, os seus desastres inócuos, e a sua brevidade ilusória¨. O gosto da madalena torna-se chave da memória bloqueada: uma infância esquecida, de quando Proust visitava a tia aos domingos e esta lhe servia madalenas. Ele expressa a reveladora suspresa da absorção destrancada. E pungente é como o desbloqueio da lembrança faz ansiar por cenas e certezas infantis. O bolo permite reviver a felicidade fugaz. Qual de nós não tem flashbacks – pessoais e a um tempo universais – deflagrados pelo fluxo da consciência? (José Guilherme Correa)