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A reflexão do docente sobre sua prática no espaço escolar

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possibilidades e limites

Por: ROSANA MARIA BRETAS

Estar na academia. Era o sonho de jovens alunos e alunas que terminavam o então Ensino de 2º grau. Estávamos no final da década de 1970. Eu fazia o Curso Técnico de Turismo em uma escola particular, mantida pela Fundação Bradesco, e muitos dos alunos já anunciavam a pretendida profissão: administradores, analistas de sistemas, médicos, dentistas, advogados, engenheiros. Mas poucos cogitavam a possibilidade de ser professor.

Minha aflição era denunciada pela preocupação diária em definir-me por uma carreira. Todos os alunos terceiro-anistas participavam naquele momento de um Projeto de Orientação Profissional.

Leituras, pesquisas sobre as profissões, palestras e depoimentos faziam parte dessa proposta. À frente dessa “empreitada” estava Maria Auxiliadora – uma jovem Orientadora Educacional que semanalmente nos encontrava para discutir as profissões. Eram bate-papos, dinâmicas de grupo e às vezes alguns “testes de aptidões”. O trabalho daquela profissional foi me encantando. Sua presença entre nós foi me provocando e fazendo despertar em mim um desejo profundo de realizar trabalho semelhante, que pudesse ajudar e proporcionar às pessoas crescimento e descobertas. Um trabalho que nos levou ao conhecimento de habilidades e desejos mais profundos – um momento de encontro, partilhado entre todos do grupo.

Venho de uma família pequena. Tenho apenas uma irmã mais velha, que não chegou a concluir seu curso superior. Fez o vestibular para o Curso de Pedagogia e conseguiu entrar na USP, mas como sua opção era o Curso de Letras, desistiu pouco tempo depois de entrar na universidade. Meus pais, preocupados em sempre apoiar nossas decisões, sem nos influenciar, estavam orgulhosos com a perspectiva de também eu ingressar numa Universidade conceituada.

O final do ano se aproximava e as inscrições para os vestibulares já se faziam anunciar. Junto com o final do ano veio também minha decisão. Pela educação fiz minha opção. Prestei vestibular na PUCSP e fui aprovada. Estávamos no ano de 1978. Que alegria senti quando vi meu nome na lista dos aprovados! Seria uma pedagoga e atuaria como Orientadora Educacional. Era a meta. Muitos anos de estudo estariam reservados para essa formação.

Para construir esse futuro sonhado e torná-lo possível no presente, algo já estava constituído no meu passado. Revisitá-lo é poder olhar os caminhos que percorri; por isso, resgatar a minha trajetória tem sido um exercício de grande prazer.

Minha infância foi muito prazerosa e dela trago boas recordações. Cresci numa família unida, numa época em que brincar livremente pela rua era possível. Os horários eram rígidos: hora de acordar, de almoçar, hora do banho, de dormir, de estudar. Minha mãe, que não trabalhava fora, se fazia muito presente na educação dos filhos. Sua supervisão diária nos dava uma sensação de bem estar e segurança, mas nem por isso nos tirava a possibilidade da autonomia e responsabilidade pelas nossas ações.

Ingressei na primeira série aos sete anos e meio, em uma escola particular, o Grupo Escolar Embaixador Assis Chateaubriand, mantida pela Fundação Bradesco, de orientação muito rígida, que não pôde me receber aos seis anos, pois era considerada muito nova e as vagas eram destinadas aos alunos mais velhos. Tive que esperar! Lembro-me da frustração que senti por não poder ir à escola, pois era algo que esperava com ansiedade e alegria.

A sabedoria de minha mãe foi certeira: convenceu-me que mesmo fora da escola poderia aprender. Ela foi minha primeira professora: comprou cadernos, lápis, estojo e me ensinou as primeiras letras, os números, ensinou-me a desenhar e a pintar.

Entrei na primeira série muito confiante, já estava com sete anos e meio; madura e segura. Tive muito sucesso no processo de alfabetização. Minha professora, Dona Alzira, foi uma professora marcante, muito afetuosa e dedicada. Embora meus pais nunca tenham sido modelos de um mundo letrado, conseguiram através do carinho, dedicação, incentivo e apoio despertar-me para o mundo do conhecimento.

Fui muito feliz no ensino de 1º e 2º graus. Acredito ter tido uma educação de boa qualidade, bons professores e muito dedicados. Nesta retrospectiva, não me recordo de nenhum episódio que tenha me marcado negativamente. Pelo contrário, tenho boas lembranças, principalmente de alguns professores que, ao longo de minha vida escolar, deixaram suas marcas pelos bons exemplos que deram, mais talvez do que pelas boas aulas que possam ter ministrado.

Nesse percurso algumas disciplinas e alguns conteúdos não traziam uma função importante ou necessária, digamos social para termos o desejo de aprender. Aprendíamos, mas sem um significado ou sentido explicito.

Tenho lembranças da aluna que fui. Não muito brilhante, dessas que todos os professores elogiam e desejam ter em suas aulas. Também não fui daquelas que causam problemas com indisciplina ou desinteresse. Fui uma aluna responsável, que jamais se atrasava ou faltava às aulas, sentava sempre na frente para não perder nada e não desviar minha atenção, aliás, como até hoje. Tirava boas notas e era muito estudiosa; “caprichosa” como diziam os professores em reunião de pais. Elogiada pela família pelo desempenho escolar, não me lembro de precisar de ajuda nos estudos e nas lições. Caminhava com autonomia, responsabilidade e tinha prazer nos estudos. Ir à escola era uma atividade que fazia com grande prazer.

Não entendia porque tínhamos que decorar a tabuada, os nomes das capitais dos estados brasileiros, o vai um da conta de mais, mas questionar não era permitido. Às vezes nossas perguntas eram respondidas, mas não satisfaziam nossas dúvidas e curiosidades. As respostas mais comuns eram: um dia você vai entender, ou ainda, mais tarde você vai precisar deste conteúdo. Então obedecíamos.

Acredito que, hoje, a educação não lance mais mão de atitudes tão extremas como aquelas que vivi, embora ainda reinem, nos ambientes escolares, práticas pedagógicas autoritárias.

Volto novamente a minha infância e lembro-me de uma das minhas brincadeiras preferidas: “brincar de escolinha”. Eu era a professora, minha lousa – uma porta verde e velha que ficava no quintal. Com os tocos de giz, que recolhia às escondidas do chão da classe, “fazia” minhas aulas. As bonecas enfileiradas eram os alunos, algumas eram inteligentes, havia também as bonecas indisciplinadas que não gostavam de estudar, também as que tinham dificuldades para aprender, para estas eu dava muita atenção. A partir das brincadeiras imaginárias em que, ao “ser professora”, reproduzia situações reais que vivia no cotidiano da escola, fui construindo e delineando o meu modelo de docente.

Morávamos num condomínio fechado, muito seguro e tranqüilo. Eram muitas famílias, cada uma com dois ou três filhos, então a rua sempre estava repleta de crianças de todas as idades. Brincávamos todas as tardes nas ruas, o tempo naquela época demorava a passar. Éramos felizes. Conhecíamos pelos nomes todos os funcionários que cuidavam da conservação das casas, gramas e jardins. Naquele tempo não havia muita rotatividade de funcionários, por isso muitos deles acompanharam nosso crescimento, fizeram parte de nossas histórias por um bom tempo. Recordo-me com certa nostalgia daquela época, e na memória me vem a figura de um pintor, o Senhor Tiago, que sempre ao passar por minha casa via-me muitas vezes brincando no quintal de escolinha e aí sorridente ele dizia: Oi professorinha! E eu respondia orgulhosa: Olá, Seu Tiago! Como que dizendo: sou mesmo professora. E me sentia muito importante com aquele título.

Assim como a brincadeira, a escola também teve um grande significado em minha vida. As marcas deixadas por alguns professores influenciaram a minha prática.

Iniciei a docência numa escola particular, como professora de educação infantil. Então, agora eu era professora de verdade, não de bonecas – os meus alunos imaginários agora eram reais.

Minha primeira turma era de crianças entre três e quatro anos. Estávamos no ano de 1982. Ainda recém formada, cheia de ideais, mas já vivenciando o conflito de tudo que havia aprendido na academia e o que vivenciava no espaço de trabalho – a escola. A dicotomia entre teoria e prática se fazia sentir no início de minha carreira. Havia em mim um sentimento de desamparo, que me acompanhou durante um bom tempo, principalmente no início de minha profissão. Faltavam apoio e orientação, para quem estava chegando e pouco sabia da prática escolar.

A descoberta dessa prática foi um processo solitário, em que não havia troca de experiências e pouco diálogo entre os professores e equipe pedagógica. A escola era organizada de modo bastante hierárquico, uma estrutura muito rígida de poder, que não permitia a participação de professores ou funcionários. Não participávamos das decisões, apenas executávamos os planejamentos impostos. Já nessa época sentia falta de partilhar saberes e refletir com o grupo sobre as dificuldades que enfrentávamos no processo ensino- aprendizagem. Éramos cobrados pelos resultados, mas não sabíamos bem o quê e como deveria ser feito. Cada um fazia a sua parte, à sua moda e tocávamos em frente.

Nessa etapa de minha vida, aprendi a ser mais questionadora, tinha desejo de saber como poderia ensinar melhor, como as crianças aprendiam, ou porque não aprendiam. Com esse desejo de saber e fazer melhor o que tinha que ser feito fui buscar informações e conhecimentos para a minha nova profissão – ser professora era um desafio ainda solitário.

Acredito que essa paixão pelo estudo e pela profissão despertou-me para novos desafios e abriu-me novas oportunidades de trabalho. A ousadia pelo novo, pela descoberta foi me levando para outras oportunidades na área educacional.

Algum tempo depois, ainda início dos anos 1980, estava atuando como professora do ensino médio, turmas de magistério. Aqui me encontrei. Ser professora de futuros professores me proporcionava imensa satisfação e realização. Era um sentimento que misturava responsabilidade e prazer – um compromisso com a educação que se multiplicava a cada novo encontro com as turmas de alunos, em sua maioria alunas.

Mais algum tempo e lá estava eu, agora como coordenadora pedagógica na educação infantil, na mesma escola em que atuava como professora de magistério. Estávamos em meados da década de 1980 e nessa escola tive a oportunidade de coordenar a implantação do Ensino Fundamental e mais tarde do Ensino Médio. Em seguida à implantação dos cursos assumi a função de diretora e por muitos anos conciliei os cargos de coordenação e direção numa escola pequena, que crescia ano a ano. Foram 12 anos atuando na mesma escola. Posso dizer que cresci com ela, aprendi muitas coisas com os colegas de trabalho e acredito que deixei, ao sair, boas lembranças e trago comigo muitas recordações e experiências. As exigências eram muitas e os desafios acompanharam-me por todo o percurso.

Nessa época, as trocas e os conhecimentos partilhados no espaço de trabalho se faziam presentes, ainda que timidamente, no cotidiano das nossas relações: com os alunos, pais e professores, proporcionando-me crescimento pessoal e profissional.

Outros 13 anos foram vividos na coordenação e direção de outra escola particular na região da zona sul de São Paulo. Esse trabalho teve início em 1994 e atravessou toda a década de 1990 chegando em 2007. Mais recentemente, em 2004, assumi a função de professora no Curso de Pedagogia numa faculdade que estava por formar sua primeira turma de pedagogos. Digo que esse convite para a docência no ensino superior foi um presente, um desafio que me lançou em direção a novas perspectivas, impulsionando-me a buscar nos estudos e na pesquisa os conhecimentos que possibilitassem uma atuação profissional de melhor qualidade e competência. Fui então, em busca do mestrado em educação, no qual acreditava ter a chance de aprofundar-me nas questões educacionais e refletir com mais rigor sobre a prática docente.

Nessa trajetória, principalmente nos anos 1990, sentia-se o vento soprando para outros cantos. Um outro momento se anunciava no cenário econômico, político, social e educacional. Vivíamos a segunda etapa das reformas educacionais e com a promulgação da nova L.D.B., ainda que no espírito de uma concepção neo-liberal, propunha-se às escolas uma “autonomia” mais concreta, principalmente no aspecto pedagógico.

A L.D.B “anunciava” às escolas liberdade e responsabilidade para elaborar a sua proposta pedagógica, incluindo currículo e organização escolar e, aos docentes, a incumbência de zelar pela aprendizagem de seus alunos. Na nova lei chama-se atenção para a importância do papel da aprendizagem. Parece perder força, assim, tanto no ensino fundamental quanto no médio, pelo menos no discurso dos documentos oficiais, a concentração da importância no ensino e na aquisição de conhecimentos enciclopédicos. Desse modo, contextualização e interdisciplinaridade eram as palavras-chave para a mudança: ensina-se para construir habilidades e competências. A construção da proposta pedagógica, que pressupõe momentos de reflexão coletiva, ganha importância vital para a escola.

Esse momento impunha-nos a necessidade de refletir sobre o trabalho que vínhamos realizando na escola. Assim, buscar com a equipe docente soluções e alternativas para os problemas que enfrentávamos no processo de ensino-aprendizagem era fundamental e urgente. Junto com a reflexão sobre a nossa prática vieram dúvidas, incertezas, mas também respostas que nos ajudavam a enfrentar e superar as dificuldades e os limites que a prática docente nos impunha.

Nesse cenário de mudanças tivemos que enfrentar muitos e novos desafios e buscar as possibilidades para um trabalho melhor, preocupação que até hoje trago em meu trabalho junto a comunidade escolar.

Daí, pensar e refletir sobre a própria prática pedagógica, sob um novo olhar: o que estamos fazendo, com quais objetivos e intenções tornou-se muito importante para que pudéssemos entender o que precisávamos mudar.

Procurei no exercício de minhas funções, enquanto coordenadora e diretora pedagógica, viabilizar a participação do coletivo escolar para que assim construíssemos o projeto pedagógico de nossa escola e desse modo pudéssemos consolidar um trabalho de melhor qualidade.

Nessa trajetória, a preocupação com o acompanhamento e orientação do trabalho docente sempre esteve presente no exercício de minhas funções. Refletir com a toda a equipe sobre os problemas e desafios que se apresentam no processo ensino-aprendizagem e buscar as alternativas mais adequadas para cada situação sempre exigiu esforço, dedicação e trabalho conjunto, sobretudo questionamentos, seja enquanto professora, seja como diretora e coordenadora pedagógica.

Procurando superar os limites que se impõem no espaço escolar e as dificuldades que se apresentam no processo educacional, ao longo desses anos, tenho buscado alternativas de trabalho que tornem o espaço escolar um espaço privilegiado para a reflexão docente.

Desenvolvo meu trabalho procurando oferecer e dar oportunidade a todos os segmentos da escola de: falar, ouvir, dialogar, sonhar e planejar. Mas não tem sido tarefa fácil, muitos são os limites e dificuldades que se colocam na instituição escolar.

Olhar a minha prática, refletir sobre ela, percebê-la como uma tela que a cada momento precisa ser recriada, complementada, resignificada, é ao mesmo tempo estimulante e frustrador. É estimulante justamente porque somos convidados a sempre buscar parceiros, sejam eles teóricos ou práticos, que nos ajudem a enfrentar os desafios cotidianos; a consciência de inacabamento nos lança em busca de novos conhecimentos, de novas possibilidades de um fazer pedagógico com mais qualidade. E frustrador porque lidamos com os conflitos de várias naturezas que decorrem da diversidade e da subjetividade das pessoas; e também com as condições nem sempre favoráveis do contexto escolar e da sociedade. Mas, na verdade, esses conflitos também nos provocam a trabalhar para conseguir uma intervenção criadora.

Acredito que a escolha do olhar que estarei lançando em minha investigação sobre o tema “a reflexão do docente sobre sua prática”, entre os tantos olhares possíveis na construção da competência docente, tenha também relação com a minha própria história. O interesse que me trouxe até aqui foi querer investigar e refletir como se dá a reflexão do docente sobre sua prática no contexto coletivo, entendendo que essa reflexão é também um momento de construção da própria identidade do professor. Segundo Nóvoa (1992, p.16), a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão. [...] A construção de identidades passa sempre por um processo complexo graças ao qual cada um se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional. É um processo que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças.

No Programa de Mestrado em Educação, minha grande meta foi aprofundar a reflexão sobre o tema que escolhi e encontrar nos estudos e na pesquisa novas possibilidades de caminhar para um aprimoramento de meu trabalho.

Estudar e investigar a reflexão do docente sobre sua prática no contexto escolar e buscar compreender como essa reflexão, tanto na dimensão individual como coletivamente, pode colaborar com o fazer docente, permitindo-lhe um alargamento da consciência e a construção de um trabalho de melhor qualidade, foi o meu desafio.

Selos de reconhecimento

Impresso
R$ 50,96

Ebook (PDF)
R$ 27,01

Tema: Não Ficção, Literatura Nacional, Didáticos Palavras-chave: coletivo., docente, pedagógico, professor, projeto, prática, reflexivo, trabalho

Características

Número de páginas: 216
Edição: 1(2021)
Formato: A5 148x210
ISBN: 978-65-871-2888-7
Coloração: Preto e branco
Acabamento: Brochura c/ orelha
Tipo de papel: Polen

Livros com menos de 70 páginas são grampeados; livros com 70 ou mais páginas tem lombada quadrada; livros com 80 ou mais páginas tem texto na lombada.




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