A obra serve para reunir publicados dispersos, como LEITURAS E ANDANÇAS (2004). Alguém logo perguntará: Por que escreve sobre Contagem? Escrevo sobre Contagem para exorcizar-me de Contagem, escrevo sobre essa cidade porque, à época em que a estudava, faltava material a respeito dela – daí ajudar a construí-lo. Sério. Se houvesse material disponível sobre a cidade, talvez esse livro não existiria, pois, antes de tudo, considero-me um leitor, um curioso. Escrevo sobre Contagem, inclusive, para um dia, esgotado o assunto, não precisar mais escrever sobre ela e, finalmente, poder liberar minha escrita para outras direções, ou para nenhuma. Que fique claro, não nutro qualquer sentimento de ordem superior por Contagem. Seríssimo novamente.
Outro ponto que fique claro: não me considero um escritor. Sem complexos: uso a definição mais simples: escritor é quem escreve. Fazendo jus a distinção que Vivaldi Moreira – ensaísta mineiro, falecido presidente perpétuo da Academia Mineira de Letras – faz em um de seus ensaios, enquadro-me mais na categoria dos Letrados à dos Escritores stritu sensu, ou seja, escritores profissionais. Escrevo pouco, não escrevo mais do que penso, penso tanto quanto ando e observo. Um “flaunêr afoito”, para usar uma imagem do poeta mineiro Anízio Viana. Talvez um livre-pensador, ou um pensador independente, para quem for se ocupar com definições; nada contra definições em si mesmas, vai da inteligência de quem as usa, seja para restringir seja para ampliar os conceitos. O velho problema da incapacidade da linguagem de exprimir o pensamento, problema suspenso quando se toma a linguagem autonomamente, como nas experiências da Oficina de Literatura Potencial - OULIPO (França).
As leituras, como sempre, acompanham os interesses do momento. Para o entendimento ou a tentativa de entendimento da conjuntura mundial, sugiro O novo século, Antônio Negri entrevistando Eric Hobsbawn; o último capítulo de Era dos Extremos (impossível não ler o livro inteiro), “Rumo ao milênio”, de Hobsbawn; Século XXI: socialismo ou barbárie e Para além do capital, ambos de István Mészáros; e Império, de Antônio Negri e Michael Hardt. Para entender – não sei se tanto para mudar não que torcemos contra a mudança – a conjuntura brasileira, A opção brasileira, organizado por César Benjamim, a título de informação, vice de Heloísa Helena na Frente de Esquerda (eleições presidenciais de 2006). A tese da opção brasileira (mais tarde descobri que já estava presente em Darci Ribeiro), muito persuasiva no todo, apresenta dois pontos duvidosos a meu ver: o nacionalismo implícito, ou declarado mesmo, como sentimento negador da elite e motivador da mudança – por umas razões, perguntem-me – e o apoio das forças armadas ao movimento revolucionário. Mas é leitura essencial, certamente. Li também material fora do pensamento marxista e anarquista, desde os ‘intérpretes’, Sérgio Buarque de Hollanda (inclusive um crime a exclusão de Celso Furtado da coleção "Intérpretes do Brasil", isso sim um ‘patrulhamento ideológico’ à direita), até os José Muri-lo de Carvalho, e outros. A saída? Qualquer que seja ela, será mundial, uma vez realizado o mercado mundial de mercadorias – a chamada globalização – prevista por Karl Marx, daí não desaconselho o drama expresso no título do livro de Mészáros: ou algo parecido com um socialismo ou a barbárie. E quem não está percebendo os traços de barbárie – guerra, pobreza generalizada/programas assistencialistas, ascensão de líderes carismáticos, volta da religião, ditadura do corpo, da mente e do comportamento etc – deve ter passado as férias em Marte. Para terminar as leituras ‘sociais’, li também os situacionistas (Internacional Situacionista, França, 1968) e os ensaios de Robert Kurz, indispensáveis. Provocação: nada indicado pelos professores da faculdade, se dependesse deles... Do curso de Ciências Sociais, redescobri Pierre Bordieu, a etnometodologia, que inicialmente achei saborosa depois nem tanto, a ciência política quantitativa, uma bela aberração. Etc. Em termos de modos de vida, da união poesia-vida, a descoberta dos beatnicks foi maravilhosa para mim, e, na im-possibilidade de viver como eles (EUA, anos 50, dólar valorizado, boom econômico), eu (Brasil, anos 00, real desvalorizado, desemprego), procurei, ao menos, realizar um momento para lembrar e ‘viver’ a geração beat, daí o “Sábado Beat”, dia 11 de setembro de 2004, Contagemtown: mas a grande lição dos beats é a beatitude, a estrada, mais interior que exterior, como bem expressa o livro de Antônio Bivar, Longe daqui, aqui mesmo. Cheguei a Georg Trakl e aos expressionistas alemães mediante um momento sombrio de minha subjetividade, juntamente com a música de Björk e do Massiv Attack, o que proporcionou um encontro verdadeiramente transcendental, narcose pura. Depois veio o encontro igualmente transcendental com Campos de Carvalho, O Púcaro Búlgaro e A Lua vem da Ásia, depois, um pouco a frente, A Chuva Imóvel e A Vaca de Nariz Sutil. As leituras não param, ainda estou atrasadíssimo nos clássicos. As andanças ganharam nova dimensão, não tanto no espaço, mas no tempo; mas nada ainda como uma boa rua e uma madrugada. As indicações de leituras são para o leitor saber por onde andei e quem visitei, a guisa de auxílio na leitura do livro. Não se trata de explicação ou exposição, tais indicações de leitura não são por esnobismo, mas um convite.
Dividi o livro em seções, mesmo que não esteja preocupado com o “gênero”: quando amadurecemos ficamos menos maniqueístas. Na verdade, também é uma divi-são por “tema”. As chamadas crônicas, exemplo, poderiam ser intituladas “crônicas sobre a cidade”, pois, todas elas versam sobre Contagem. Na parte de ensaios e artigos, o leitor talvez perceba alguma continuidade com o trabalho desenvolvido em Leituras e Andanças (2004). Não é mais o caso: a minha crítica literária não é mais generalizada, além do que, em relação à literatura escrita em Contagem, haverá um trabalho em separado, que vem desde 2001, a ser publicado futuramente. Essa recepção crítica mais generalizada de obras literárias, não só de contagenses, ficou a cargo de Leonardo de Magalhaens, um verdadeiro achado – escritor, crítico literário, tradutor, poeta –, participante deste livro. Ao longo de 2006 e início de 2007, levamos a série “Betim lê Contagem” no Jornal Regional Contagem, onde foram publicados oito ensaios de Magalhaens, morador de Betim, nos quais o crítico literário versa sobre obras literárias de escritores radicados em Contagem, feito inédito na imprensa da cidade. No mesmo jornal, saiu “Fernando Januário In Concert”, uma sequencia de poemas de FJ, poeta, pintor, cunhador de frases geniais, verdadeiros disparos de fina ironia e humor, entenda-se humor: lágrima que ri. Da parte de poemas, há dois totalmente inéditos, uma vez que andei distribuindo os outros em envelopes ‘art noveau’ durante 2005, trata-se de “Saudades do real” e “Anomia”, ambos ‘abandonados’, pois não conseguir os dar termo com exigências de perfeccionismo. Tomara que daqui para frente, caso continue a escrever, escreva menos penosamente, mais prazerosamente, mais liberadamente.
Por fim, se é mister dizer, a minha contribuição para a “humana-idade” (FJ), “A Alma dos Bairros”, o que de melhor já saiu de mim. É do livro o texto derradeiro.
ISBN | 9788591627332 |
Número de páginas | 147 |
Edição | 1 (2007) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 75g |
Idioma | Português |
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