Por: MARIA FERNANDA PACI
1. CONCEITO DE PENA E SISTEMA PRISIONAL
A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal. Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu jus puniendi.
Contudo, em um Estado Constitucional de Direito, embora o Estado tenha o dever/poder de aplicar a sanção àquele que violando o ordenamento jurídico-penal, praticou determinada infração, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos, ou mesmo implícitos, previstos em nossa Constituição Federal.
Em nosso país, depois de uma lenta e longa evolução, a Constituição Federal, visando proteger os direitos de todos aqueles que, temporariamente ou não, estão em território nacional, proibiu uma série de penas, por entender que feria o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme o art. 5 do citado diploma.
2.1 Origem das Penas.
Na verdade, a primeira pena a ser aplicada na história da humanidade ocorreu ainda no paraíso, quando, após ser induzida pela serpente, Eva, além de comer do fruto proibido, fez também com que Adão o comesse, razão pela qual, além de serem aplicadas outras sanções, foram expulsos do Jardim do Éden.
Depois da primeira condenação aplicada por Deus, o homem, a partir do momento em que passou a viver em comunidade, também adotou o sistema de aplicação de penas toda vez que as regras da sociedade na qual estava inserido eram violadas.
Assim perde-se no tempo a origem das penas, sendo que originariamente tinha um caráter sacral, ou seja, não podendo o homem primitivo explicar os acontecimentos que fugiam ao seu cotidiano (chuva, raio, trovão), os mesmos passaram a atribuí-lo a seres sobrenaturais, que premiavam ou castigavam a comunidade conforme o seu comportamento.
Da mesma época surgiram as proibições conhecidas como tabus, palavra que significa ao mesmo tempo o sagrado e o proibido. As violações das regras totêmicas ou a desobediência ao tabu acarretavam aos infratores os castigos ditados pelo encarregado do culto, que era também o chefe do grupo, sendo que a pena possuía um caráter coletivo. Todos participavam de tais castigos porque as infrações atraíam a ira das entidades sobrenaturais sobre todo o grupo.
Posteriormente surgiu a vingança penal, que possuía 2 formas: a primeira era a vingança privada que nada mais era que a responsabilização do ofensor da tribo, por meio da coletividade, e a segunda era a vingança de sangue onde a infração era praticada por um elemento estranho à tribo.
Com o decorrer dos tempos e a evolução social nasceu a Lei de Talião que limitava a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado (sangue por sangue, olho por olho, dente por dente). Como também a composição, sistema pelo qual o ofensor se livraria do castigo com a compra de sua liberdade.
Mesmo na época da Grécia Antiga e do Império Romano, predominavam a pena capital e as terríveis sanções de desterro, açoites, castigos corporais, mutilações e outros suplícios.
Assim verifica-se que desde a Antiguidade até, basicamente, o século XVIII as penas tinham uma característica extremamente aflitiva, uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal por ele praticado.
O período Iluminista, principalmente no século XVIII, foi um marco inicial para uma mudança de mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas. Por intermédio das ideias de Beccaria, em sua obra intitulada Dos Delitos e das Penas publicada em 1764, começou a ecoar a voz da indignação com relação a como os seres humanos estavam sendo tratados pelos seu próprios semelhantes, sob a falsa bandeira da legalidade.
Hoje, percebe-se haver, pelo menos nos países ocidentais, uma preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos seres humanos. Vários pactos são levados a efeito por entre as nações, visando à preservação da dignidade da pessoa humana. Cite-se, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens.
Todavia, o sistema de penas, infelizmente, não caminha numa escala ascendente, na qual os exemplos do passado deviam servir tão-somente para que não fossem repetidos. A sociedade, percebendo a elevação do índice da criminalidade cada vez mais pede a criação de penas cruéis.
2.2 Princípios Constitucionais Informadores da Pena.
Conforme se vislumbra no explanado acima, as civilizações foram se adaptando e buscando um meio menos violento e sacral na imposição da pena aos infratores.
Nos dias atuais busca-se, necessariamente, uma pena mais humanizada e em conformidade com a Norma Mãe de um Estado Democrático de Direito, isto quer dizer, que a pena deve estar pautada sempre em princípios informadores e humanizadores do direito de cada cidadão.
Desse modo, no Brasil, a Constituição Federal, em seus artigos, disciplinou expressamente a observância de certos princípios para a aplicação e execução da pena, a fim de garantir e preservar a dignidade da pessoa e a impossibilidade de transformar a pena em uma vingança social.
Por assim ser, a pena não deve e não pode ser aplicada em discordância com os princípios constitucionais e tão menos contrariando os mesmos, isto acarretaria um aviltamento expresso a Carta Maior, bem como, um sufrágio ao direito de um cidadão de quitar sua divida com a sociedade de forma digna e justa.
A seguir, os princípios constitucionais disciplinadores da aplicação da pena.
2.3.1 Principio da humanidade das penas.
A Constituição Brasileira arrola sanções vedadas a priori conferindo assim contorno ainda mais seguro a humanidade das penas: o artigo 5º, XLVII, da CF, proíbe a pena de morte (salvo nos casos de guerra declarada), bem como as penas perpétuas de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis. Mais, ainda, quando arrola a dignidade humana como fundamento do Estado Brasileiro (art. 1º, III), vincula toda nossa legislação com os valores do humanismo, tornando inconstitucional qualquer solução de conflitos que destoe de tal preceito.
A Constituição Federal, ainda em seu art. 5º, XLIX, garante a todos os presos o respeito a sua integridade física e moral.
A Lei de Execução Penal também, em seu art. 3º, garante ao condenado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, trazendo assim maior resguardo a dignidade do condenado.
Enfim, o condenado não perde, com a pena, sua condição humana.
2.3.2 Principio da individualização da pena.
Indubitavelmente a execução da pena é o estágio em que se torna mais fácil à individualização da pena, pois a sujeição ao poder estatal dá aos agentes públicos totais condições de investigação sobre a pessoa do condenado, possibilitando-lhes o conhecimento das peculiaridades do sujeito, o tratamento individualizado é nada mais que uma decorrência necessária da isonomia, bem como de uma execução penal fundada na racionalidade, e não no primitivo espírito de vingança.
A individualização das penas, assim, que tem base constitucional (art. 5º, XLVI), é especificação do postulado de isonomia.
A partir da finalidade ressocializadora, é possível afirmar que o cuidado individualizado com o condenado é imperativo legal, necessário para que sejam atingidas as finalidades da punição, tendo o individuo o direito a assim ser tratado, e o Estado, dever de assim proceder não só para atender ao direito individual, mas também a toda sociedade que busca a eficácia do ordenamento.
2.3.3 Principio da coisa julgada – vedação ao excesso de execução.
Conforme dispõe a LEP, a execução penal visa efetivar as disposições da sentença, ou seja, não pode ir além do autorizado pelo título executivo. Trata-se de clara especificação do principio da legalidade penal, que tem como consectários o principio da legalidade das penas, que impõe clareza sobre a sanção penal que paira como consequência da prática delitiva, bem como máxima transparência sobre as condições nas quais a pena será executada.
As consequências de tal princípio da legalidade são claras na teoria geral do processo, mas mais eficazes no processo civil, quando a execução a maior causa escândalo e, indiscutivelmente, são afastadas desde logo pela totalidade dos Tribunais. Estranho que o panorama não seja o mesmo na seara criminal, quando o cumprimento de pena em regime mais grave que aquele autorizado pela sentença não causa o mesmo escândalo, e subsista ainda posição jurisprudencial (minoritária) ratificando que a violência estatal efetivada seja maior que a disposta na sentença.
Hoje em dia, prevalece como ilegal e passível de imediata correção à violação da liberdade do condenado acima do admitido na decisão condenatória, ou mesmo do que consta das decisões em sede de execução penal, em cumprimento ao referido principio do respeito à coisa julgada.
A sentença é ato normativo que resolve a situação concreta, em substituição a vontade das partes. O ato normativo genérico não pode prevalecer sobre ela, sendo possível, no máximo, havendo remédio processual, sua reforma.
2.3.4 Princípio da personalidade da pena (ou intranscendência da pena).
O art. 5º, XLV, da CF dispõe quea pena não deverá passar da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, conforme a lei, estendidas aos sucessores e contra eles executados, até o limite do valor do patrimônio transferido. Trata-se de máxima própria de um Direito Penal Democrático, em que a responsabilidade deve ser individual, sendo consectário da dignidade humana a noção de que ninguém pode responder criminalmente além dos limites da própria culpabilidade.
Daí que a morte do agente extingue a punibilidade, o que impede que medidas restritivas tomadas no processo penal persistam após a morte do sujeito, ainda que relacionadas com o sequestro de bens.
2.3 Conceito de Pena e Sistemas Prisionais.
Para Luiz Vicente Cernicchiaro, a pena pode ser encarada sobre três aspectos, “substancialmente consiste na perda ou privação de exercício do direito relativo a um objeto jurídico;
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