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Memorial do Inferno

A saga da família Almeida no Jardim do Éden

Por: Valdeck Almeida de Jesus

Minha vida é uma novela

Minha mãe, senhora do meu destino

Quisera eu que parte desta história fosse apenas uma novela, uma peça de ficção. Mas há uma outra parte, que precisa gritar ao mundo: valeu a pena!

Sou o primeiro dos oito filhos de Paula Almeida de Jesus, uma grande heroína da sobrevivência. A vida desta mulher é uma novela de lutas, da qual, como personagem real nessa sofrida trama, muito me orgulho.

Paula conheceu cedo, juntamente com meu pai, João Alexandre de Jesus, as agruras da seca, do trabalho rural e da miséria no interior da Bahia. Mas ela não desistia, sobretudo quando os filhos estavam em jogo. O casal saiu de Amargosa para tentar melhores condições de vida em Jequié.

A vida nunca foi fácil para a nossa família. Mas a matriarca não tem tempo para se lamentar. Apesar dos problemas de saúde, que a deixaram paralítica, apesar da doença do marido, que ficou impedido de trabalhar e ajudar no sustento da família, apesar da miséria total, Paula sobrevivia com uma extraordinária gana de viver, motivada pelos filhos.

Depois de conseguir a transferência do marido para tratamento de saúde em São Paulo, ela permanece em Jequié com quatro filhos. Viveu por um bom tempo da caridade dos vizinhos e das doações de amigos da igreja, sofrendo as limitações da paralisia que atingiu suas pernas. Mas a vontade de viver era tanta que, após passar anos se arrastando pelo chão ou imobilizada numa cadeira de rodas, começa a melhorar e já caminha de muletas.

Os meninos não haveriam de morrer de fome, esta era a preocupação maior. Por eles, obriga-se a sair pela cidade pedindo esmolas, a correr atrás de doação de cestas básicas em entidades religiosas, a pedir sem pudor nem vergonha. Em suas extenuantes andanças, surge a oportunidade de dias melhores: morar numa fazenda, bem afastada da cidade, que pertencia a uma senhora que dela se apiedou. Lá teria casa e comida para todos.

É para a Fazenda Turmalina que seu marido volta, após o tratamento e retoma o trabalho nas roças. Também é lá que nascem mais quatro filhos. Os dias na fazenda não foram tão ruins. Apesar da distância, da falta de recursos, da vida difícil, sem conforto nem amigos por perto, o contato com a natureza permite aos filhos de Paula, uma infância de liberdade e, de certa forma, saudável. Dinheiro não há, mas há um teto e a terra dá a comida. Tirar fruta do pé, legumes da horta, tomar banho de rio, leite de vaca fresquinho, conversar com os animais, caminhar pelas matas, nos deram as poucas lembrança de uma infância saudável.

Porém, mais uma vez, meu pai Alexandre é acometido por problemas graves de saúde, e torna-se inadiável o retorno a Jequié, onde a vida fica difícil. Por quatro anos, o aluguel do casebre em que morávamos foi pago por parentes próximos. Mas isso não duraria para sempre, jurei para mim mesmo.

Tinha eu dezessete anos quando meu pai faleceu, e trabalhava desde os seis. Já era hora de ajudar minha tão castigada família e assumir as rédeas. Minha mãe, apesar de seu permanente espírito guerreiro, já estava cansada. Passara por todo tipo de sacrifício e humilhação para criar seus filhos. Uma loba a defender sua cria com unhas e dentes num mundo cão. Com todas as agruras, ela conseguiu seu objetivo: criar seus meninos, educando-os com dignidade e apontando-lhes sempre o caminho da retidão moral. Não era vergonha ser pobre, vergonha era escolher os caminhos tortos diante da pressão. Esta lição levaríamos para sempre.

Agora a luta era minha também. Eu deveria tomar conta de minha mãe e retribuir todo o seu esforço. A primeira coisa que fiz foi satisfazer-lhe um desejo antigo: ensiná-la a ler e escrever. Passei a ajudar no sustento da casa e na educação de meus irmãos. Não era tarefa fácil para quem tinha uma família de nove pessoas. Havia dias em que pedia forças a Deus para suportar o difícil fardo da sobrevivência.

Minha mãe não era mulher de ficar parada. Sem muitas alternativas, ela e os filhos se revezavam pedindo esmolas, de porta em porta.

Cenas sombrias guardei na memória: comer carne podre, catar mortadela, salame e queijo dentro do esgoto do hospital, dormir com fome – alimentado somente pelas palavras de consolo de minha mãe: “Espere, que Jesus vai trazer amanhã” –, noites de chuva, com a mobília na calçada por causa dos despejos, à espera de uma solução...

Mas Paula sempre manteve viva a chama da esperança e da fé: “No ano que vem as coisas melhoram”, não cansava de dizer – e acreditava nisso. Esperançosos, todos aguardavam pacientes o Ano Novo, que só traria melhoras muitos anos novos depois. A educação básica, em escolas públicas, que Paula nunca deixou faltar aos filhos, era a chama de sua esperança. Sabia que, pela educação, os filhos teriam melhor sorte e um futuro menos doloroso.

E ela estava certa.

Estudar, para mim, tornou-se obsessão. E foi assim que cheguei até aqui, bem sucedido, com trabalho certo e as cicatrizes fechadas. Meus outros irmãos também encontraram seu caminho e, se não acumularam fortunas ou experimentam hoje uma outra dificuldade, pelo menos conseguiram portos mais seguros em suas vidas. Felizmente, Paula viveu o suficiente para ver que tudo valeu a pena.

Hoje, graças a essa senhora do meu destino, eu, que antes esmolava doações de cestas básicas, faço questão de oferecê-las, por ter conhecido a tirania da fome. Hoje, graças a essa senhora do próprio destino, contribuo para promover acesso à cultura, abrindo oportunidades a escritores anônimos.

O destino é escrito pelas nossas mãos e pelas nossas lutas. E Paula, minha mãe, escreveu o seu e o nosso com muito suor e dignidade. E é por isso que aqui estou para contar essa novela.

Impresso
R$ 69,70

Ebook (PDF)
R$ 32,66

Tema: Biografia e Testemunho, Humor, Não Ficção, Adulto, Família, Piadas E Charadas Palavras-chave: biografia, desigualdade, fome, jequié, miséria, nordeste, social

Características

Número de páginas: 171
Edição: 5(2021)
Formato: A4 210x297
Acabamento: Espiral c/ acetato
Tipo de papel: Couche 90g

Livros com menos de 70 páginas são grampeados; livros com 70 ou mais páginas tem lombada quadrada; livros com 80 ou mais páginas tem texto na lombada.



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